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26 de abr. de 2012

Parte 7 - Traição. A dor em fuga!

Por meses o silêncio deslizou pelos cantos das paredes como poeira em dias de ventania e janelas abertas, rompido apenas pelas batidas do relógio na parede. Assim também o coração de Miranda, que vagava repetidas vezes pela casa deixando cada coisa em seu lugar. Dias infinitamente longos, suplantados pelo entorpecimento do sentimento de vazio refletido em seu olhar. Possuía a exata noção sobre a importância de reagir e a hora que não era chegada, necessitando vivenciar cada segundo do luto que a atravessou.

O cenário angustiante, acrescido aos tormentos da culpa, também envolviam Fred, que, diferentemente da esposa, reagia cuidando de si. Empenhava-se na busca por um corpo perfeito, e no trabalho vivia sua melhor fase. Isolava-se em suas conquistas, afastando-se paulatinamente da companheira que, do seu ponto de vista, apreciava a dor, entregando-se ao escuro e abandono de si mesma. O corpo dela era inexpressivo, inodoro, opaco e antes que pudesse ser contaminado, agarrou-se à vaidade como recurso para a sobrevivência, seguindo em frente.

Foi em meados de novembro daquele mesmo ano que ele reencontrou uma antiga conhecida. Nos tempos de faculdade um interesse de parte a parte os envolvia e, independente disso, a opção por permanecer em outra relação calou fundo. Reprimiu seus desejos sem pensar muito sobre isso, e sem imaginar que ali, naquele momento, ela estava mais viva dentro dele do que realmente gostaria. Alegres e descontraídos, como nos velhos tempos, atualizaram-se sobre suas vidas, passando um sobre o outro, olhares ternos e famintos.

Falas quase sem pausa atropelavam-se na tentativa desesperada de absorverem-se, interrompidas apenas por sorrisos em harmonia com um leve baixar de cabeça e olhar suspenso. Mãos a ajeitarem os próprios cabelos também deslizavam pelo queixo ou pela borda do copo, pintando um quadro sutil e suavemente sedutor onde, a cada minuto, esqueciam-se do que haviam deixado fora dali.

As pessoas em volta, a luminosidade e a música não interferiam naquela embriaguez egóica. O estômago vibrava, revirava, e a doce sensação de retomada da juventude (e tudo que ela representava) era prazeroso demais para se deixar escapar. Talvez fosse a única oportunidade que ambos teriam para se sentirem novamente visíveis para alguém. E se permitiram viver aquele instante, que favorecia a confirmação do valor que cada um necessitava acreditar possuir. 


Ana Virgínia Almeida Queiroz


Para entender a história, acompanhe a sequência dos contos:






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